Quando o Benfica convidou à invasão da Armada Britânica

Este artigo foi escrito por Steve Green, para a prestigiada World Soccer Magazine, em Novembro de 2012. Não foi muito divulgado, mas parece-me interessante, tanto pela componente histórica (apesar de não nos contar nada de novo), como por ser numa revisa internacional. Decidi traduzir.





Benfica, o mais condecorado clube de Portugal, num total de 67 títulos, é uma marca conhecida em todo o lado. O distintivo das Águias é reconhecido e respeitado como um dos mais orgulhosos da história do Futebol, no entanto, tudo isso esteve em perigo durante a última metade dos anos 90. Um período na história do clube, que é lembrado por ter tido um grupo de jogadores Britânicos, um treinador completamente deslocalizado e um dono cheio de más intenções.

Scott Minto, Brian Deane, Michael Thomas, Dean Saunders, Mark Pembridge, Steve Harkness e Gary Charles, todos se viram no famoso manto encarnado, e rapidamente sugados para um clube da Elite Europeia, durante o processo de adaptação. Sete nomes com carreiras facilmente descritas como 'terrenas', a maior parte deles teve um ou outro momento épico, mas estavam fora do seu 'auge' quando os gigantes Portugueses chamaram. Mas então, como é que esta 'gera' foi lá parar?
Em Outubro de 1997, o Dr. João Vale e Azevedo, um ex consultor jurídico do antigo primeiro ministro Pinto Balsemão, e membro da ordem dos advogados, venceu as eleições para a presidência do Benfica, à tangente, com 51% dos votos. Uma das promessas chave do ainda candidato João, era que iria trazer um do melhores treinadores do Mundo, para fazer regressar os tempos áureos do clube. Esse homem era Graeme Souness.
Souness possuía uma experiência considerável no futebol fora do Reino Unido. Jogou no Canadá, na Austrália e na Itália, mas foi também treinador e recuperador  de um renovado Rangers, treinou o Galatasaray, onde ficou famoso um gesto em que colocou uma bandeira do clube no centro do terreno após a vitória na final da Taça Turca em 96, e passou quatro meses atribulados no Torino.
É fácil gozar Souness, mas o Benfica já andava numa luta constante antes da sua chegada. No papel, Souness parecia um investimento estável, mas o antigo homem do Liverpool teve que lutar pela confiança dos adeptos mais fervorosos do clube. Ele decidiu piorar isso com uma medida um pouco ou nada radical.
É comum sabermos que os treinadores tendem a assinar jogadores que já conhecem, e Souness não era diferente. Mas o que se seguiu, não era assim tão habitual, pelo menos tendo em conta aquilo que os adeptos do Benfica estariam habituados.
Os primeiros resultados da época foram pobres, apesar da vitória inicial no campeonato por 4-0 contra o Campomaiorense. O Benfica estava há cinco jogos sem ganhar, saindo da Taça UEFA logo na primeira ronda, com o Bastia. Ainda pouco havia passado da sua chegada, e já em Novembro, Souness lutava para dar a volta à situação do clube.
Antes de Souness, já lá estava Scott Minto, o primeiro 'brit' a chegar ao clube, contratado por Mario Wilson, e logo depois chegou Brian Deane, em 1998. O musculado atacante, que teve a honra de marcar o primeiro golo de sempre da Premier League, veio para trazer outro espírito atacante à equipa, para tentarem um estilo mais directo, e menos técnico.
Para o Benfica, o jogador era uma opção viável, e para Deane, era a oportunidade de uma vida: "O meu agente várias vezes me tentou levar para fora, mas eu recusei. Esta chamada chega na altura certa.".
Esta oportunidade era mais do que um salário para Deane, e ele começou a abraçar a experiência com entusiasmo, e a tentou desfrutar ao máximo o tempo passado em Portugal: "O Scott ajudou-me a instalar - agradeci muito isso, porque Portugal era um sítio fantástico para viver. É difícil acreditar que vivemos lá, e que jogámos naquele clima. Era perfeito.".
Mas depressa Souness achou a pressão demasiado insuportável. As expectativas dos Benfiquistas eram altas, para não dizer mais, e 'cada jogo era tudo ou nada', contou Souness anos mais tarde. A intrusão dos Média também era terrível, com um exército de jornalistas a fazerem pressão diariamente. Para Souness, parecia que ninguém tinha percebido, ou se importado com o facto dele ter as mãos atadas, devido às dificuldades económicas do clube.



As dívidas amontoavam, e o clube viu a sua conta congelada quando o Man Utd os leva a tribunal arbitral com a FIFA, devido a fundos não materializados na venda de Karel Poborsky.
Apesar disso, Souness conseguiu guiar o clube até um respeitável 2º lugar, assegurando a presença na Champions do ano seguinte, mas as coisas estavam prestes a desmoronar-se, de uma forma quase apocalíptica. 
Chegaram mais jogadores Britânicos. Dean Saunders, vindo do Sheff Utd, tinha como destino formar uma dupla com Deane, ao estilo alto/baixo. O Porto, em resposta, assinou com Mário Jardel, que viria a marcar 166 golos em 169 jogos. O amigo de Saunders, Mark Pembridge chegou também, para trazer maior determinação ao meio campo, e com ele, veio Michael Thomas, do Arsenal, com vista a dar mais músculo e força à equipa.
O início foi brilhante. Deane e Pembridge marcaram contra o Beitar Jerusalem durante um concludente 6-0 na primeira ronda da Champions, mas isso seria o mais longe onde o Benfica chegou, porque foram afastados na ronda seguinte pelo mudesto HJK Helsinki.
O Benfica aumentava cada vez mais o seu estilo de futebol directo, que não se adequava à filosofia do clube, nem à dos seus adeptos, ou sequer dos jogadores. Um jovem Nuno Gomes queixava-se de não receber as bolas de forma adequada, e assim não conseguia marcar. Souness também falhou ao não ver o talento de um jovem de 21 anos chamado Deco, enviando-o por empréstimo para o Alverca, onde marcou 12 golos em 32 jogos, e para o Salgueiros, no ano seguinte, acabando por o perder para o Porto, a custo zero.

O comportamento do treinador continuou a ser mal recebido pelos adeptos, conforme a época prosseguia. Souness travava uma luta desesperada contra as barreiras da linguística, e o seu staff não sabia nada sobre a Liga onde trabalhavam. Numa entrevista, o adjunto Phil Boersma não foi capaz de identificar um único jogador que o tivesse impressionado, para além do óbvio Jardel, e pouco depois se soube que o treinador andava em frequentes viagens entre Portugal e o Reino Unido.
No campo, tudo corria mal. Michael Thomas, o homem que selou o título do Arsenal em 89, já tinha passado o seu melhor momento. Os seus gestos lentos e ineficazes levavam às vaias dos adeptos, nas bancadas, de cada vez em que tocava na bola. Apesar de só ter feito cinco jogos pelo Benfica, Thomas meteu-se em arilhos, após um treino, numa luta com Sergei Kandaurov, que resultou na suspensão do salário do ex Arsenalista, e num castigo que acabou por ser revogado pela FIFA, tendo o Benfica que pagar cerca de 900.000€ ao jogador, como indemnização.
Do bizarro ao ridículo, mais uma nova contratação. Steve Harkness, o homem que conseguiu, sabe-se lá como, estar presente em 100 jogos pelo Liverpool, distribuídos por dez anos, estava preparado para iniciar o período continental, cravando nas costas da sua camisola o nome 'Steve'. Infelizmente, 'Steve' não conseguiu muito mais que Thomas, tendo uma aventura europeia com apenas nove jogos.
Por fim, Gary Charles, que tinha recentemente ganho uma Taça da Liga pelo Aston Villa, viu o seu tempo em Lisboa encurtado, devido a uma lesão, mas é agora aceitável considerar que o jogador estaria nas fases iniciais do seu alcoolismo, que o levou a terminar a carreira de forma prematura.
Os resultados não agradavam,e nem a figura de Eusébio ajudava. O maior ícone da história do clube tinha sessões frequentes com os avançados, mas Deane sugeria que ele era mais um mentor para o plantel inteiro.
Animosidade, pressão e irregularidades financeiras escalavam para o topo, e em Abril de 1999, Souness soube que o seu lugar seria de Jupp Heynkes na temporada seguinte. Ele concordou em ver o seu tempo no Benfica acabar, e mal viu o seu 'gang' partir para Inglaterra, o rígido treinador viu o seu reinado acabar, numa humilhante derrota por 3-0 com o Boavista, perdendo o título para o Porto. 80.000 adeptos acenaram lenços brancos nessa noite, de um jeito de gozo, mas também de forma genuína, deliciados por saberem que era o último jogo com ele.
Souness acredita que fez um bom trabalho em Portugal, e que não foi fácil lidar com a situação do clube. Talvez ele tenha razão. 71 jogos como treinador, venceu 57% deles, mas é justo dizer que ele errou redondamente na parte da política de contratações, e isso ajudou a cavar a sua própria sepultura. Não aprender a língua, não prestar atenção às outras equipas e sugerir que os jogadores Latinos não tinham a mentalidade que ele necessitava, também não ajudou muito.
Um ano depois, Souness erguia a Taça da Liga, com o Blackburn, mas nesta história, o único que saiu satisfeito com a experiência foi mesmo Brian Deane, que olha para trás de forma ternurenta.
Custou 1M€, mas só lá esteve um ano, sendo vendido ao Middlesbrough pelo triplo do que tinha custado: "Não tenho arrependimentos sobre esse tempo, nem sequer queria sair, mas a situação financeira do clube forçou a saída.'.

Em 2001, Azevedo ficou em prisão domiciliária, enquanto era investigado por fraude. Foi normal não pagar os salários e prémios a jogadores durante os três anos em que presidiu o Benfica.
Um total de 14 acções foram movidas contra ele, que incluíam uma acusação de ter desviado 1M€ da venda de Ovchinikov para o Alverca, para pagar um iate. Foi sentenciado a dois anos e meio de prisão, enquanto outros crimes se vinham a descobrir, como o roubo de 1M€ ao clube e lavagens de dinheiro.
Em 2006, após ser libertado, Azevedo mudou-se para Londres, onde dirige uma empresa financeira.
E assim podemos concluir que a situação não foi toda culpa do treinador,ou dos jogadores, foi mais um caso de 'bad timing'. O Benfica ainda se encontra nas sombras do Porto, apesar de conseguir alguns momentos de fama intercalados, e estar bem longe daquela idade das trevas, e as relações Anglo-Lusitanas no campo ainda são muito complicadas, mas será justo dizer que este caso levou a que os jogadores Ingleses não emigrassem em massa.
Se há algo positivo no meio disto, é que temos um brilhante exemplo de comicidade desastrada por parte de um presidente, que viu tudo explodir na sua cara, e em resultado acabou por sofrer mais consequências do que o clube, que se reergue novamente.
Por Steven Green

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