Homenagem um bocadinho confusa ao Eusébio

Só escrevo agora a minha homenagem ao King porque quis deixar a poeira assentar. No calor do momento, as homenagens são tantas que parecem vulgarizar-se. E depois fica difícil distinguir quais as sentidas e quais a meras politicamente correctas.

Fui completamente apanhado de surpresa pela notícia da morte do King. Esperava que ele continuasse connosco mais uns tempos, e de preferência que nos visse campeões mais umas vezes.

Infelizmente para mim, acho que nunca senti em pleno enquanto Benfiquista o "Eusébio effect".
Não o vi jogar, despertei tarde para o futebol, tendo por isso passado ao lado de episódios importantes para a vida do Benfica e vivendo a 300km de Lisboa e rodeado de portistas, às vezes é difícil sentir a mística. O desejo de levar a cabo uma chacina com uma motosserra por vezes sobrepõe-se...

Também não posso dizer que, em última análise, sou do Benfica por causa do Eusébio. O meu pai já era do Benfica antes do Eusébio e eu não sou Benfiquista por causa do meu pai.

E no entanto, sinto que tenho tanto para agradecer ao King...

Eusébio foi um jogador extraordinário, um predestinado do desporto-rei. E isto num tempo anterior ao futebol-ciência, em que não havia bolas e chuteiras desenvolvidas a computador por engenheiros aerodinâmicos e de materiais, nem centros de alto rendimento, nem sequer substituições durante o jogo.

O King deixou ao nosso clube um património material quantificável (638 golos em 614 jogos, contribuição para a conquista de 11 campeonatos, 5 taças e 1 taça dos campeões) e um património imaterial infinito. Quantos novos Benfiquistas nos deu Eusébio? Quantas pessoas por esse mundo fora ficaram a saber o que era o Benfica e Portugal graças a ele?

Golos, vitórias, títulos, prestígio e Benfiquismo. Tudo isto nos deu o Pantera Negra sem pedir nada em troca.

Como todas as pessoas grandiosas, Eusébio era simples. Não procurou a fama a todo o custo e à custa do Benfica, mas manteve-se atento ao clube e não teve problemas em criticar quando as coisas passavam das marcas. Foi assim no tempo do Vale e Azevedo com a saída do JVP, foi assim no início desta época a propósito do caso Cardozo.

Como Benfiquista, muito Obrigado, Eusébio!

O fair-play do King em campo e a sua simplicidade e bom feitio fora dele fizeram-no assim como o conhecíamos: Sem inimigos. Era Benfiquista mas não era do Benfica, era universal.

Vivendo no Grande Porto, é obvio que as minhas relações humanas do dia a dia dão se maioritariamente com portistas, e isso reflete-se no meu facebook. No entanto, fiquei surpreendido. Claro que houve meia dúzia de infelizes, que lá no fundo sentem é inveja, porque lá no fundo sabem que nem fruta para dormir nem ameaças do macaco madureira e o seu gangue conseguirão por Old Trafford a fazer 1 minuto de silêncio quando a figura maior deles partir, só para citar um exemplo.
Porém, a grande maioria prestou a sua sentida homenagem.

E prestaram-na porque reconhecem a grandeza e dimensão supra-Benfiquista de Eusébio. 

Eusébio (e o Benfica) nos anos 60 não derrubaram a ditadura, não travaram a escalada da guerra colonial nem nos tornaram num país mais desenvolvido.
Mas Eusébio (e o Benfica) nos anos 60, sem o saberem, foram um valente pontapé no nacional-cinzentismo fomentado pela ditadura. Mostraram aos Benfiquistas e a muitos Portugueses que era possível sonhar e tentar ser feliz, e que a pequenez não era um destino traçado, um estado imutável.

A ironia é que um regime velhaco, que nada fez por esse sucesso, não teve problemas em colar-se aos sucessos de Eusébio e do Benfica. Desesperado por sucessos, depois de anos como de 1961 em que perdemos as colónias na Índia, começa a guerra em Angola e dá-se o assalto ao Santa Maria, o estado novo viu-se obrigado a aliar-se a algo que temia pela sua "modernidade urbana" e por oposição, a largar em parte dogmas como o da virtude da pobreza rural mas honesta.

Felizmente que a dimensão de Eusébio e do Benfica extravasaram a dimensão do estado novo. Após 40 anos de democracia, o Benfica continua grande e Eusébio continua uma figura nacional e uma referência mundial do futebol.

Como Português, muito Obrigado, Eusébio!



Era só isto que queria dedicar ao King. O meu Obrigado enquanto Benfiquista e Português.

Não vou perder tempo a discutir polémicas parvas com cachecóis ou porque fulano x fez declarações polémicas ou o fulano y não se mostrou suficientemente constrangido.
Eusébio não era polémica, era alegria em campo e simpatia fora dele.

Só umas notas muito breves para terminar:

Eusébio merece um lugar no Panteão. Também outros o mereciam e não estão lá, mas isso já são outras questões...

Sou contra mudar o nome ao estádio. Acho até que o King não ia gostar muito disso. 
Em relação à figura dele nas camisolas, não me parece mal mas acho que a melhor homenagem a Eusébio seria termos um brasão da bandeira portuguesa nas camisolas da próxima época. 
Ou a médio prazo, termos uma quarta estrela sobre o símbolo da águia. Isso é que era, não acham?