Quando as pessoas pensam na cidade de Turim e em futebol, é
a Juventus que imediatamente vem à mente. É normal, sendo um dos clubes mais
famosos da Europa e um dos mais bem sucedidos de Itália, o seu equipamento às
riscas, pretas e brancas, é reconhecido em qualquer lugar onde o futebol seja desporto.
Pouca gente se lembrará
do Torino, clube que passou as últimas décadas a combater graves problemas,
tanto dentro como fora de campo. Um emblema em declínio, com performances fracas,
logicamente acabaram fora da Série A e a definhar nas profundezas da Série B.
Depois de desafiar as probabilidades e ganhar a promoção de volta à primeira
divisão em 2005, viu negado o seu lugar na Serie A, após o clube declarar
falência, na sequência da exposição de enormes dividas tributárias obtidas com
garantias bancárias falsas.
Depois de ressurgir das cinzas com um novo nome, eles foram
autorizados a prosseguir o seu futebol, na Serie B, devido à sua rica história
cultural e futebolística para, exactamente um ano depois, ganharem a promoção
de volta à Série A, perante 60.000 fãs.
No entanto, as coisas podiam ter sido bem diferentes. Se voltarmos
ao início de Maio de 1949, o Torino era a equipa mais dominante no país e uma
das mais temiveis do velho continente...
Após ter vencido o último título por um ponto de vantagem
sobre o Livorno, antes da interrupção da Serie A devido a eventos
relacionados com a II Guerra Mundial, eis que com a paz regressavam os jogos, com um
campeonato ganho por apenas um ponto de diferença sobre o
rival Juventus. Na curta temporada 1945-1946, mal se sabia que nenhuma equipa chegaria aos
calcanhares deste grande Torino durante algum tempo.
Foi na temporada seguinte que começaram a
cimentar o seu estatuto como a melhor equipa da sua geração. Foi
um passeio até ao título, terminando com uma vantagem de 10 pontos, com 104 golos
marcados e apenas 35 sofridos, num total de 38 jogos.
Ainda mais impressionante foi a seguinte temporada (1947-1948).
Este grupo de jogadores marcou um impressionante número de 125 golos
em 40 jogos, sofrendo apenas 33, tendo vencido 19 de 20 jogos em casa. Eram imparáveis.
Na temporada 1948/49 não foi surpresa o inicio fulgurante, nada
havia mudado e com quatro pontos de vantagem, numa série de 18 jogos sem conhecer
o sabor da derrota, chegaram à fase final da temporada, com apenas quatro jogos para terminar a Série A. ‘Il Gran Torino’ não perdia no seu estádio há
93 partidas – um recorde que se estendia no tempo desde 1943.
A 1 de Maio de 1949, os jogadores do Torino voaram para Lisboa, com o intuito de jogar um amigável com o Benfica, para celebrar a despedida do capitão da selecção portuguesa, Francisco “Xico”
Ferreira, que havia convencido os dirigentes italianos a marcar um particular
na recta final do campeonato com este propósito. A partida
foi disputada no dia 3 de maio e seria vencida pelo Benfica por 4 a 3 diante de
um público de 40 mil pessoas. Um dia depois, 31 passageiros e
tripulantes embarcaram no avião FIAT G-212 com escala em Barcelona e destino a
Turim. Foi um dia negro.
Numa colina acima de Turim, há uma cidade pequena chamada
Superga, com uma basílica do Séc.XVIII. A chuva forte atacou a cidade e um nevoeiro denso espreitava com ar ameaçador no céu. A visibilidade era próxima de zero. Pouco depois das cinco da tarde, um homem correu em direcção a um restaurante na praça de Superga, solicitando com urgência o uso de um
telefone para pedir ajuda.
O avião acabava de embater contra um muro na parte de trás
da basílica. Restos de corpos, bagagens e destroços estavam espalhados por uma
vasta área, e os bosques ao redor da igreja estavam em chamas. Não houve
sobreviventes.
Vittorio Pozzo, ex-treinador da
seleção nacional italiana, e agora um jornalista local, foi o infeliz indivíduo encarregue de identificar
os corpos. Ele conhecia bem os jogadores, tendo escolhido dez deles como
membros da sua última selecção italiana, em 1947.
As suas palavras nos jornais, naquela noite, resumiram a situação
de forma cruel: "A equipa do Torino deixou de existir. Ela desapareceu, ardeu, explodiu. A equipa morreu em combate,
como um grupo de tropas de intervenção na guerra, que deixou as suas
trincheiras e nunca mais voltou. "
A tragédia chocou o país inteiro. Edições tardias especiais
de jornais foram imprimidas em Turim, e quando a notícia do desastre se propagou,
o trabalho parou na fábrica da FIAT da cidade para um minuto de silêncio, e todas
as lojas da cidade fecharam as suas portas.
Em breve, as manchetes nos jornais de Milão colocavam de
lado todas as rivalidades, dizendo: - 'Itália de luto pelos seus campeões’, ‘Campeões
para sempre'.
Em Roma, o Parlamento italiano suspendeu a sessão quando se soube da notícia.
Em Roma, o Parlamento italiano suspendeu a sessão quando se soube da notícia.
Dois dias depois, mais de meio milhão de pessoas assistiram
aos funerais dos jogadores, jornalistas e funcionários que morreram na tragédia. O cortejo fúnebre foi transmitido na rádio nacional. Só naquele dia, mais de trinta mil pessoas fizeram a caminhada até Superga , prestando a sua
homenagem, deixando flores no local do acidente.
A história do Torino reflecte inteiramente um 'antes' e um 'depois' de Superga. O clube recebeu o ‘Scudetto’ naquele ano, o quinto título consecutivo, alinhando com jogadores juvenis para
concluir as 4 jornadas finais do campeonato, exemplo que foi seguido pelos
principais clubes da Série A, tendo ganho todos os jogos até ao final. Desde aí, nunca mais o Torino voltou a ter uma equipa
que se aproximasse da qualidade dos malogrados, conhecida como ‘Il
Grande Torino’. Naquelas cinco temporadas, o clube marcou 483 golos e sofreu
apenas 165 - um recorde que se demonstrou impossível de superar desde então.
O capitão da equipa durante esse período foi Valentino
Mazzola. Estrela de Itália e do Torino, este médio ofensivo foi algumas vezes referido como o
maior jogador de futebol italiano de todos os tempos. Dada a qualidade dos
jogadores que a Itália tem vindo a produzir ao longo dos anos, isto só pode ter um
significado especial. Em cinco anos de competição, com o Torino, venceu cinco campeonatos e
marcou 102 golos, tornando-se um capitão verdadeiramente inspirador. Tinha 30 anos de idade, aquando o desastre.
O treinador do Torino na época também tinha um enorme
impacto sobre o futebol italiano. Egri Erbstein era um judeu húngaro, que tinha
chegado ao Torino antes do auge da Segunda Guerra Mundial. Foi forçado a sair
por Mussolini, levado para um campo de concentração nazi durante a
invasão a Budapeste. Após a libertação da Hungria, regressou ao Torino como treinador, e foi responsável pela montagem da equipa imbatível.
Egri Erbstein trouxe métodos de treino modernos para Itália,
desenvolvendo um estilo odiado pelos seus jogadores, mas que trouxe excelentes resultados. Também revolucionou o jogo posicional táctico,
incentivando a equipa a utilizar todo o espaço disponível em campo, ao invés do rigoroso posicionamento fixo.
Foi um dos 31 a perecer no acidente,
mas as suas ideias e métodos viveram através de outros e daí se formou uma base
para muitos dos métodos de treino desenvolvidos nas décadas que vieram após a
sua morte.
No entanto, não foi apenas o Torino que sofreu com esta
tragédia. Demorou à Itália alguns anos para se recuperar dos trágicos acontecimentos de Superga. Os jogadores do clube formavam o núcleo da selecção italiana
na altura, selecção essa que não voltaria a ter um bom desempenho num Campeonato
do Mundo por mais de vinte anos após o acidente. Tendo vencido os Campeonatos do
Mundo em 1934 e 1938, antes da guerra, a equipa nacional não conseguiria passar sequer da primeira fase até 1970.
As memórias e medos de Superga levaram a que a selecção italiana viajasse de barco para participar no Campeonato do Mundo de 1950, no Brasil. A
viagem durou duas semanas e os jogadores chegaram doentes e enfraquecidos, após
terem sofrido duas semanas de enjoo. Acabaram derrotados na estreia, e praticamente eliminados, logo contra a Suécia. Mesmo após a vitória por 2 a 0 sobre o Paraguai, que havia empatado com a Suécia, não foi suficiente e confirmou-se o afastamento.
É impossível saber até que ponto o curso da
história foi alterado, bem como o que teria sucedido caso a tragédia de Superga
não tem ocorrido. Se o Torino, empurrado pelos êxitos, seguiria com o domínio do
futebol em Itália por muitos mais anos, é algo que nunca saberemos. Talvez hoje
fossem as camisolas vermelhas do Torino a estar indelevelmente ligadas
a Turim e ao sucesso do futebol italiano, ao invés das listas pretas e brancas
da Juventus.
Fontes:
18 comentários:
Il gran Toro
Enorme trabalho, friiky :)
Malta,
Parabéns pelo post!
Muito bom..
Conhecia o caso mas desconhecia a história..
Excelente trabalho parabéns.
Já agora... Já era tempo do Presidente procurar maneira de organizar um jogo em honra e glória destes campeões..
Preferia ver isso na pré época ao torneio do guadiana ou o de Guimaraes.
https://www.youtube.com/watch?v=VTKwuU5ipeg
divulguem ;)
video feito pelos adeptos do Benfica
em relação ao artigo: muito bem friikniik
Brilhante trabalho.
Concordo inteiramente com o Zé do Norte, um jogo de homenagem aos campeões da época quer por parte do Glorioso, quer por parte de "gli grande Torino".
Muito bom post. A sabê-lo, poderia ter colaborado pois trabalho todos os dias com um adepto fervoroso do Torino e apaixonado por futebol em geral. Regularmente conta-me boas histórias dessa época e algumas mais recentes.
...por exemplo, Kubala não tinha viajado por problemas familiares e assim sobreviveu ao desastre. Anos mais tarde bateu recordes no Barcelona sendo hoje considerado o melhor jogador de sempre a equipar com as cores do clube catalão. Embora haja Messi...
Logo, quem sabe o que teria ganho o Barcelona se este jogador tivesse voado para jogar contra o Benfica.
Já o filho de Mazzola jogou no Inter quase 20 anos com a camisola 10 em homenagem ao seu pai.
@LDP Alguns dados tive de deixar de fora para não ficar 1 post demasiado longo, esses não sabia, dos 3 que sobreviveram, 1 lesionado, 1 que ficou em Portugal por motivos pessoais e não voltou nesse dia e outro que estava doente creio. Mas houve outros que não mencionei, como no mundial de 50 nesse grupo da Itália a Índia desistiu e cada equipa só disputou 2 jogos, a França havia sido convidada para colmatar uma ausência (não sei se da Índia ou de outra desistência) e recusou, Portugal também o fez, ficava caro ir ao Brasil. Gostava de ter falado mais no Xico e do Benfica mas temi perder-me (mais ainda) no texto e acabar com algo confuso e longo. Btw, vai fazer agora em Maio 64 anos que se passou isto. Concordo, o Benfica podia organizar 1 evento em homenagem a esta equipa fantástica, só os números de golos e vitórias assustam, isto num tempo de guerra, sub nutrição, etc...
Ah! PS: Note-se que desses 5 anos de competição (7 anos em tempo real, devido à paragem durante 2 anos) pelo menos num ano o campeonato só teve 8 equipas, o número de jogos por ano era bem inferior aos de hoje.
vcs ao pé do cacifo são uns meninos...
Anonimamamus, aposto que és daqueles que compara o Messi com o Ronaldo. O que tem uma coisa a ver com a outra? aqui pelo menos não se apagam posts devido à divergência clubística, o cacifo (na minha opinião pessoal) é tipo estado novo. Agora podes ir mamar na quinta pata do cavalo até domingo deixa lá os meninos em paz.
Em cada anónimo há um cabrão! Ah e tal o cacifo é melhor e o caralho, a minha pilinha é maior que a tua... Aquela merda é mesmo censura tipo estado novo, cambada de palhaços!!
É malta que só funciona na unanimidade...estilos e feitios. Que safodam!
Excelente trabalho, obrigado.
querro que vcs se fodam oh filhos da puta metem nojo lampioes do crlh, con das vossas maes...
Boa narração do que se passou nesse fatídico voo. Também escrevi em tempos sobre o desastre, e acrescentei o que vira numa foto: as milhares de pessoas que se dirigiram à embaixada italiana de Lisboa - já na altura era a mesma, perto do Paço da Rainha - para prestar condolências.
http://aagora.blogspot.pt/2008/05/tragdia-da-superga-maio-parece-ser-o-ms.html
Para o ano, quando se completarem 65 anos, podia-se pensar nessa homenagem. É mais que merecida.
PS: fala-se acima da desistência da Índia em participar no mundial de 1950. Consta que queriam jogar descalços e não os deixavam.
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