Mais uma vez, Ronaldo é motivo de gozo no Mundo inteiro. Mais uma vez, Messi é o melhor. Se o Ballon d'or recompensa aquele que mais o merece, então o troféu 2012 é uma injustiça. Ou se calhar é outra coisa.

*Artigo de Thibaud Leplat na revista So Foot, traduzido pelo nosso leitor Sérgio Porta-Nova

Quando Fabio Cannavaro se aproxima do palanque do Ballon d'or, os mais sensíveis receiam que a História se repita. Que mais uma vez, essa mesma Historia escolha o defesa italiano, de sorriso brilhante e tackles agressivos, para fazer dele um Imortal. Como em 2006, quem sabe, ele pode muito bem sair de là com o troféu mais  injusto da Historia. Foi o ano da reforma de Zidane, da Champions de Rijkaard, Ronaldinho e Eto'o, do Arsenal de Henry. Mas nesse ano, um corporal napolitano levaria o tesouro dourado para casa, frente a Buffon, outra injustiça. Em 2013,  foi ele o escolhido para entregar o prémio de 2012 ao Leo Messi.

Cannavaro abre o envelope, sorri para não ter que falar. Um olhar cúmplice com Blatter faz durar o suspense. O Mundo inteiro sabe desde Outubro que Messi será mais uma vez recompensado. Mas Fabio decidiu prolongar o prazer. Ou a tortura. Porque o único que sofre verdadeiramente está ali perto, do lado direito do ecrã da TV. O único que ainda acredita no Destino, franziu os lábios e tem nos olhos o brilho da louca esperança de um condenado. Mas um movimento de cabeça traz mais uma nova desilusão. Ronaldo é outra vez segundo. O Mundo goza. Cambada de ignorantes.

 O rival faz o campeão
Quando Ronaldo diz « Humildade a mais é hipocrisia. Eu votaria em mim», ele tem razão. A humildade do vencedor é uma forma de cinismo.

O primeiro (Messi) pode sempre agradecer a Iniesta, o dócil companheiro de equipa que ficou em terceiro. Pode também persistir em não reconhecer o desempenho do seu herdeiro (Ronaldo). Como se reconhecer qualquer mérito a esse homem de cabelo 'gominado' manchasse mais o seu casaco já manchado. O silêncio do Messi alimenta um pouco mais uma injustiça e trai o seu próprio orgulho. O Leo humilde não tem uma palavra para o seu segundo, para um jogador que fica em segundo pela quarta vez. Ele poderia dizer várias coisas sobre este duelo, a importância de enfrentar um rival para se tornar melhor, a beleza duma adversidade que nunca cessa, o espírito de competição, ele poderia até mesmo compartilhar o prémio com ele. Teria sido bonito de ver. Mas não. Ele não teve uma palavra a dizer sobre isso. Ronaldo está condenado a ser a piada do mundo porque se atreveu a discutir a hierarquia e a escolha dos Deuses. CR7 não tem nada a ver com Poulidor (ciclista amado em França), porque ninguém gosta, ninguém o reclama, ninguém o reconhece. Ronaldo é subversivo. 

Amem-me, por favor  
Como todos, ele teria gostado de ser amado e protegido. Quando, em Setembro de 2011, após uma partida em Zagreb, onde sofreu provocações de espectadores aliadas à arbitragem frouxa do norueguês Svein Oddvar Moen, ele disse, rindo: 

"Saio daqui com três pontos (...) Não entendo estas arbitragens, todas estas pessoas que falam de fair play, para proteger os jogadores mais habilidosos. Eu não tenho direito a isso. Eu acho que é porque sou bonito, rico e um grande jogador. As pessoas têm ciúmes. Não vejo outra explicação. (...). Enquanto há outros que não se pode sequer tocar sem apitar falta, eu levo porrada e ninguém apita falta."

Ronaldo respondeu às perguntas. Mas a sinceridade não é um valor a ser exibido em público. É claro, nunca se deve dizer nada na frente dos microfones. É claro que ele tem que aprender a esquivar, a falar pouco, não cair em armadilhas, a calar-se. Messi nunca responde a qualquer pergunta que contenha um “porquê”, agradece da mesma maneira, começa todas as frases com "la verdad", como se quisesse esconder isso mesmo, a verdade. Como uma criança, Messi fala mas não diz nada. E nós adoramos. É isto. 

 
Cinderela não existe 
 A vida de Messi é um conto de fadas que faz sonhar as crianças: a infância na terrinha dele, a avó que descobre o seu talento, um clube estrangeiro que o salva do nanismo e que oferece ao seu pai um emprego em Barcelona, que o educa e o acarinha. Nada na vida de Leo inspira revolta contra o seu próprio destino. Não há nada de subversivo em Messi. O puro talento tem resolvido todos os seus problemas. 

Por outro lado, a vida de Ronaldo é o pesadelo de Dolto (psiquiatra francesa): alcoolismo paterno, irmão em desintoxicação, arrancado à sua ilha, arrancado à sua mãe, o seu sotaque, o seu acne, doenças do coração, a morte do seu primo num acidente de carro, a morte do seu pai, o exílio em Manchester. Há vidas que merecem melhor do que silêncio ou sorrisos. Ronaldo lutou contra obstáculos imensos. A ambição é uma virtude que o salvou dos precipícios do destino. Mas esse vicio necessário nunca merece qualquer publicidade. Ronaldo merece mais a Bola de Ouro que Messi, porque ele é o único a querer acreditar e que o afirma. Mas este tipo de prémio sem competição não serve para nada e recompensa sempre o mesmo. Aquele que o entrega.