Em cada Cabo-Verdiano, há um Cabral assassinado

Era um dia quente, na África do Sul. 20 de Janeiro no calendário, e a ressaca dum importante empate contra a selecção anfitriã da CAN ainda pairava na mente de 'Lúcio' Antunes, que via assim os seus 'meninos' estrearem-se na mais importante competição desportiva Africana com um gosto a sucesso. Ulisses é um homem vivido, desempenhou vários papeis importantes na sociedade Cabo-Verdiana, e como homem do desporto, soube canalizar a importante vantagem do seu país ter uma média de idades de 24 anos, algo pouco comum nos países Europeus. Ulisses, por entre comemorações e telefonemas, deixa-se adormecer no sofá do seu quarto, num hotel sul-africano de luxo.

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Quando acorda, sobressaltado por barulhos de um carro, desce rapidamente do hotel para ver o que se passava. Pelo hall, vê as fotos de Mandela e de Vuvuzelas substituídas por enormes bandeiras da Guiné-Conacri, e nem uma viva alma para lhe explicar o que se passava. Atraído por dois faróis que se acendem do lado de fora do hotel, Lúcio espreita pela porta de vidro, e vê um Wolksvagen cercado por guerrilheiros. Em frente ao carro, um moribundo, perdendo sangue na barriga, pede calma ao que parecia ser o líder do grupo rebelde. A resposta foram vários tiros de metralhadora, deixando o malogrado completamente desfeito no chão, enquanto ao lado, aquela que parecia ser esposa da vítima, gritava em desespero, enquanto os executores fugiam por entre os montes circundantes. Lúcio Antunes, apavorado, saiu em auxílio da pobre mulher, e ao chegar-se mais perto, junto a uma mangueira carregada de fruto, percebeu o que se passara.

No dia 20 de Janeiro de 1973, exactamente 40 anos antes da magnífica estreia da selecção Cabo-Verdiana na CAN, morria assassinado Amilcar Cabral, presidente do PAIGC, rosto único da união resistente de Cabo Verde e Guiné-Bissau contra a ditadura de Salazar, e com ele morriam todos os Cabo-Verdianos, que outrora só serviram para escala de navios-negreiros, desolados por estarem tão perto da independência, abalados pela morte do primeiro Cabo-Verdiano a ser realmente um vencedor. 2 anos mais tarde, inspirados um pouco em Cabral, os soldados Portugueses libertariam o nosso país da ditadura, e Cabo-Verde tornava-se assim mais próximo da liberdade, conseguida no ano seguinte. 

Lúcio Alves, bafejado pela demonstração da tragédia durante o sono, exigiu aos seus 'meninos' a entrega total, e a vingança da memória de Cabral, esquecido como herói, trocado pelo fascínio global por Mandela, e os 'meninos' conseguiram. O golo de Heldon aos 92 minutos, que apurou Cabo-Verde para os quartos, foi uma última chance dada a Cabral. Foi aquele momento em que os guerrilheiros perceberam que o dinheiro não podia falar mais alto, e que aquele homem merecia viver, para bem de todos os países Africanos. Este golo de Heldon foi o desviar da metralhadora, o colete anti-balas, o segurança privado que Cabral nunca teve. E agora, alojado em qualquer balneário onde os 'tubarões azuis' se equipem, lá estará ele, conspirando com Lúcio Antunes, sobre a melhor forma de vencer mais esta batalha.

Força Cabo-Verde, vos pobreza ké vos rikeza.